quinta-feira, outubro 06, 2011

Ordenamento urbano deve ser abrangente

O Globo - 06/10/2011
Em dois dias, a prefeitura do Rio tomou duas acertadas decisões - a remoção da Vila Autódromo e o aumento do teto da indenização para famílias retiradas de áreas de risco ou de interesse urbanístico. Ambas são decorrentes de compromissos assumidos pelo município para sediar partidas da Copa de 2014 e promover os Jogos Olímpicos de 2016. Mas, como mexem com crônicas demandas do anárquico processo de ocupação da cidade, não podem ser intervenções pontuais, que se esgotem no âmbito dessas competições esportivas, sem enfrentar as reais causas do deletério avanço da informalidade habitacional e da favelização, problema comum a praticamente todo o território carioca.
Uma vez declarada, a vontade política de pôr no baralho as cartas da remoção como opção para conter a degradação territorial deve servir de gatilho para a adoção de uma abrangente, profunda e estratégica política urbana. Favelas são uma das faces mais preocupantes de um processo danoso de ocupação territorial que remonta ao início do século passado. Mas, se impõem intervenções mais imediatas nas áreas diretamente comprometidas com as competições, os dois eventos esportivos trouxeram para o Rio a oportunidade de enfrentar desafios urbanos que se estendem por outras áreas da administração. Em alguns casos, enfrentar os contenciosos implica necessariamente integrar diferentes serviços, órgãos e instâncias de governo.
O ordenamento da ocupação, que, se espera, começará com as intervenções do poder público na Vila Autódromo e outras regiões da Barra e da Zona Oeste, precisa ser implementado como política de Estado - logo, sobre interesses conjunturais de governos e grupos políticos eventualmente no poder. É o caso, por exemplo, do combate ao avanço das milícias, principalmente na Zona Oeste, sobre o filão habitacional. Como o jornal mostrou ontem, um grupo paramilitar negocia imóveis numa favela perto do Engenhão, no corredor olímpico próximo ao estádio. Não é o único exemplo de um típico problema que, para ser resolvido, pressupõe o emprego de forças policiais (estado), passo crucial para ações posteriores de resgate da área para a formalidade urbana (prefeitura).
A ocupação torta da cidade tem legado ao poder público do município outros desafios, que não passam apenas pela questão urbanística. Há contenciosos alimentados por leniências e omissões da legislação - caso do excesso de leis, muitas delas redundantes - e da burocracia que acabam levando para a informalidade proprietários que querem regularizar obras em seus imóveis. Por sua vez, a legislação tributária do município também tem sido um fator de pressão sobre a formalidade - por exemplo, o fato de 70% dos imóveis da cidade estarem na faixa de isenção do IPTU.
Mesmo a remoção de favelas, com a transferência de famílias para, por hipótese, bairros populares a serem criados, encontra barreiras numa ainda ineficaz malha de transportes de massa. Eis uma área em que ações compartilhadas no poder público são essenciais. A complexidade do tema não justifica, é óbvio, ele não ser tratado com a merecida prioridade.

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